O Superior Tribunal de Justiça e a eficácia probatória das decisões trabalhistas no âmbito da Previdência Social

Por Eduardo Antônio Dias Cristino & Marcelo Tavares

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Não é de hoje que há questionamento acadêmico e jurisprudencial sobre o alcance da utilização das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, que reconhecem vínculo empregatício, no âmbito previdenciário, para garantir o direito à aposentadoria de segurados do INSS.

Os principais pontos de interesse sobre o tema se referem (i) à eficácia da sentença homologatória trabalhista para servir como elemento material de convencimento na lide em face do INSS e (ii) quais os meios de prova precisariam estar presentes no processo trabalhista para que a demonstração fática da relação de emprego fosse reconhecida na ação previdenciária.

Para responder a esses questionamentos, o presente artigo dispõe-se a apresentar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em comparação com algumas posições acadêmicas, a partir do marco legal que normatiza a matéria, trazendo reflexões para o aprimoramento do debate.

O “estado da arte” da questão no âmbito do STJ

Os dados apresentados na presente seção foram obtidos a partir de pesquisa feita no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça através dos seguintes termos: “sentença trabalhista início de prova material”. Foi estabelecido um recorte temporal para a análise dos acórdãos, qual seja o período de cinco anos compreendido entre 01º de janeiro de 2017 e 01º de janeiro de 2022.

No sítio do STJ foram entregues 24 (vinte e quatro) acórdãos, contudo, como não é escopo do trabalho quantificar os componentes dessa amostra, serão expostos os padrões de argumentação que mais se repetiram, de modo a identificar os posicionamentos que se fizeram presentes no tribunal.

Um posicionamento reiterado é o de que a “sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que prolatada com base em elementos probatórios capazes de demonstrar o exercício da atividade laborativa, durante o período que se pretende ter reconhecido na ação previdenciária”. Tal posição está presente, por exemplo, no Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.129.366/SP de Relatoria do Ministro Francisco Falcão, julgado em 04/02/20205 e foi seguido por outros 15 acórdãos entre 01/01/2017 e 01/01/2022.

Portanto, uma primeira conclusão a que se pode chegar é que, para o período pesquisado, a Corte tem aceitado a sentença trabalhista como início de prova material em ação previdenciária, desde que essa sentença esteja fundada em elementos aptos a demonstrar o exercício da atividade laborativa. Contudo, há necessidade de que sejam especificados quais são esses “elementos probatórios”.

No julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.098.548/SP, foi estabelecido que a sentença trabalhista pode ser considerada como início de prova material, desde que seja “prolatada com base em elementos probatórios capazes de demonstrar o exercício da atividade laborativa durante o período que se pretende ter reconhecido na ação previdenciária, e não meramente homologatória, como no caso dos autos”.

No julgado, o relator afirma que, caso a sentença seja “meramente homologatória”, não poderá servir como início de prova material, o que leva a concluir que sentenças dessa natureza até podem operar efeitos na esfera previdenciária, mas devem ser prolatadas com base em outros elementos probatórios. Da mesma forma, no julgamento dos Embargos de Declaração no Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.469.713/SP, foi registrado que “a anotação em carteira de trabalho, decorrente de sentença homologatória de acordo na Justiça Trabalhista, não se presta como início de prova material, quando o autor não apresentar qualquer outro indício de prova que comprove o tempo de serviço”.

Os precedentes citados informam que a sentença trabalhista homologatória de acordo pode ser aceita como início de prova material na ação previdenciária contanto que o trabalhador apresente algum meio de prova da relação trabalhista alegada. Caso assim não o faça, e ocorra a simples homologação de acordo, a referida sentença não servirá, sequer, como início de prova do tempo de serviço.

Por fim, cabe destacar que, na fundamentação desses acórdãos, o precedente do STJ mais citado foi relatado pela Ministra Laurita Vaz, para quem “a sentença trabalhista será admitida como início de prova material apta a comprovar o tempo de serviço, caso ela tenha sido fundada em elementos que evidenciem o labor exercido na função e o período alegado pelo trabalhador na ação previdenciária”.

Em 14 de dezembro de 2022, no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 293, o STJ ratificou essa posição, que tem como marco normativo a interpretação do art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/1991, o qual estabelece a necessidade de início de prova material, a ser complementada com outros meios de prova, para reconhecimento de tempo de contribuição.

A consequência prática do entendimento é a impossibilidade de a sentença trabalhista operar efeitos automáticos na esfera previdenciária, tendo o empregado que manejar requerimento administrativo junto à autarquia previdenciária, ou ação junto à Justiça Federal, para ter reconhecido o seu tempo de contribuição. Contudo, ao que tudo indica, o debate não se encerrou, pois em 26 de abril de 2023, os Recursos Especiais nº 1938265/MG e 2059866/SP foram afetados como representativos de controvérsia (Tema Repetitivo nº 1188) a fim de definir se a sentença trabalhista, assim como a anotação na CTPS e demais documentos dela decorrentes, constitui início de prova material para fins de reconhecimento de tempo de serviço.

O debate acadêmico

A questão posta tem também merecido a atenção de diversos doutrinadores do Direito Previdenciário, com destaque para reflexões a respeito da validade da sentença trabalhista que reconhece o vínculo empregatício apenas com base em prova testemunhal e o alcance da sentença homologatória de acordo trabalhista que reconhece o vínculo empregatício sem a produção de provas.

Segundo Savaris (2006, p. 217), a necessidade de prova material é justificada pela circunstância de que o INSS, réu de todas as causas previdenciárias, não reúne condições de apresentar testemunhas para infirmar a alegação dos segurados e, em relação a fatos distantes no tempo, tampouco conta com estrutura hábil para realizar diligências que contribuam para avaliação acerca da procedência dos fatos alegados pelos particulares.

Além disso, na análise administrativa de um pedido de benefício, as possibilidades de contraprova são reduzidas, pois raramente serão indicadas testemunhas destinadas a contrapor o fato alegado pelo segurado. Portanto, na delicada tarefa de apreciação de prova em direito previdenciário, a exigência de prova material para a comprovação de tempo de atividade abrangida pelo RGPS é plenamente justificada na segurança da resposta à pretensão de gozo de benefício previdenciário.

Rocha e Baltazar Júnior (2000, pp. 193-194), por sua vez, pontuam que, devido ao fato de muitas demandas trabalhistas serem ajuizadas de maneira fraudulenta, ou seja, com o objetivo de simular uma relação de emprego voltada à obtenção de direitos previdenciários, surge o óbice da eficácia subjetiva da coisa julgada impedindo que se admita uma eventual sentença homologatória como meio de prova de tempo de contribuição. Esse argumento é evidenciado também na constatação de que o INSS, apesar de participar da lide quando da execução da contribuição social, não é parte no processo de conhecimento, não lhe sendo conferido o direito de apresentar qualquer impugnação aos fatos discutidos, mas apenas discutir o quantum debeatur fiscal-previdenciário.

Peron sustenta que o privilégio de foro do INSS, previsto no art. 109, I, da CF/88, estaria violado se a Justiça Federal passasse simplesmente a referendar decisão da Justiça do Trabalho. Defendendo a impossibilidade de a coisa julgada trabalhista gerar efeitos automáticos na ação previdenciária, o autor elenca uma série de diferenças processuais entre o litígio trabalhista e a contenda processual envolvendo o INSS. Além dos óbices relativos à eficácia subjetiva da coisa julgada e à competência da Justiça Federal, menciona-se o regime diferenciado de produção de provas entre a justiça especializada e a justiça federal, pois na primeira admite-se um regime livre de provas para comprovar o vínculo empregatício, e na segunda há um regime tarifado exigido por lei.

Já outro segmento acadêmico defende a possibilidade de a sentença trabalhista surtir efeitos automáticos diante do INSS. Em se tratando de decisões condenatórias, a situação se mostra ainda mais favorável ao segurado, pois o juiz do trabalho, “convencido da matéria fática pelos meios de prova admitidos em direito, formula decisão que deve produzir seus efeitos no mundo jurídico em geral”.

No mesmo sentido, Castro & Lazzari consideram uma grave contradição no ordenamento jurídico em matéria de Direitos Sociais Fundamentais a negativa pela Previdência Social de conferir a condição de segurado ao trabalhador que obteve a tutela jurisdicional. Segundo os autores, “a contradição se dá porque a Justiça do Trabalho, ao apreciar o pedido de reconhecimento da relação de emprego, não exige do trabalhador que faça prova documental dos fatos, podendo este valer-se da prova testemunhal, e até mesmo de confissão – real ou ficta – do réu considerado então empregador”.

Destacam, ainda, não haver sentido lógico o Estado, ao se pronunciar sobre um caso concreto, no exercício da jurisdição, reconhecer a relação de emprego, mas negar as consequências deste mesmo reconhecimento no campo previdenciário. Por fim, concluem pela inconstitucionalidade do art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91, por entenderem que este viola as garantias constitucionais do trabalhador ao devido processo legal, nos quais se encontra o direito à ampla defesa dos interesses deduzidos.

Uma contribuição para o debate

Não parece ter efeitos práticos reconhecer, como faz o STJ, a validade previdenciária apenas da sentença homologatória de acordo baseada em outros meios de prova, pois, para que haja análise de elementos probatórios, não terá ocorrido a celebração de acordo na audiência inaugural. Logo, as sentenças homologatórias só surtiriam efeitos previdenciários se fossem prolatadas acompanhadas de instrução probatória no processo.

Tal posição esvaziaria as possibilidades de utilização da sentença homologatória de acordo, além de reforçar a exigência legal de o segurado apresentar início de prova material.

Questiona-se também a validade das sentenças trabalhistas de mérito que reconhecem vínculo empregatício apenas com base em provas testemunhais. No âmbito administrativo, tais sentenças também não são aceitas, tendo em vista o disposto no art. 71 da Instrução Normativa nº 77/2015. Todavia, defende-se que essas sentenças sejam aceitas, pelo menos, como início de prova material.

Em acórdão emblemático proferido em 03/10/2018, nos autos da ação nº 5007790-44.2018.4.04.9999, a Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) definiu premissas com base nos diferentes graus de eficácia da sentença trabalhista. Em um primeiro cenário, no caso de acordo homologado na Justiça do Trabalho, mas sem um mínimo substrato de prova acostado à inicial, tal acordo não valerá, sequer, como início de prova material do tempo de serviço no processo previdenciário. Já nas hipóteses em que o autor anexa elementos materiais indiciários do vínculo trabalhista na inicial, mas a lide é extinta por acordo sem instrução probatória, há uma presunção relativa quanto ao ficar definido na autocomposição.

O presente artigo defende que se confira às sentenças homologatórias de acordo, ainda que proferidas sem produção probatória, o caráter de início de prova material. É necessário ter em mente que esse empréstimo não significa que a lide previdenciária será decidida em favor do segurado. Apenas se autoriza o uso da sentença como prova indiciária que permite a realização da ampla atividade instrutória por parte do juiz federal.

Concorda-se, ademais, com a gradação da eficácia probatória que o acórdão atribui às sentenças trabalhistas, bem como se filia à sua posição de que nas hipóteses nas quais a sentença trabalhista é precedida de instrução e amplo contraditório, culminando no reconhecimento de vínculo empregatício, está-se diante de prova com presunção absoluta de veracidade.

Contudo, é necessário ter em mente que para que a sentença trabalhista seja considerada prova plena, é necessário observar a presença de elementos que reforcem sua verossimilhança, dentre os quais se destaca a contemporaneidade do ajuizamento da ação, a não ocorrência de acordo homologado, a produção de prova do vínculo laboral e a inexistência de verbas indenizatórias.

Por mais que a expressão “prova plena” não tenha surgido com frequência na jurisprudência pesquisada, considera-se um avanço o reconhecimento da sentença trabalhista nesses termos. O fundamento para tanto está assentado na importância de atribuir uma gradação para a eficácia probante das sentenças trabalhistas e não as tratar como se possuíssem a mesma natureza.

Até se compreende a necessidade, diante da realidade informal do mercado de trabalho brasileiro, de se exigir elemento material para a demonstração do tempo de contribuição de trabalhadores informais, enquadrados pela lei como contribuintes individuais.

Contudo, a situação do empregado não oferece o mesmo desafio, pois (1) a relação jurídica de trabalho se dá com um mesmo tomador dos serviços; (2) o responsável tributário pelo recolhimento de contribuições à seguridade social incidentes sobre os valores auferidos pelo empregado é, exclusivamente, o empregador, por força do art. 33, § 5º, da Lei nº 8.212/91 e; (3) e uma vez reconhecida pela Previdência a relação de emprego, o empregado tem direito de ver computado o tempo de atividade prestado na informalidade, independentemente do recolhimento das contribuições, sem prejuízo da respectiva cobrança e das penalidades cabíveis ao responsável tributário. No mesmo sentido, Castro e Lazzari.

A título de conclusão

O presente estudo se filia ao entendimento consolidado pela Súmula 31, da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais (TNU), que admite a sentença homologatória trabalhista como início de prova material, por entender que: (a) a sentença constitui documento elaborado pelo Poder Judiciário; (b) o magistrado trabalhista possui competência para executar de ofício as contribuições decorrentes das sentenças que proferir, e (c) o segurado empregado é autorizado pela legislação previdenciária a computar em sua linha do tempo os períodos em que não houve contribuições, pois o responsável pelo recolhimento do tributo é o empregador.

Em relação à exigência de início de prova material (art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/19910), defende-se ser tal exigência desproporcional, propondo-se uma leitura que atribua diferentes graus de força probante para as sentenças proferidas na Justiça do Trabalho. Não é possível encontrar uma solução genérica que contemple todas as situações apresentadas na prática administrativa ou judicial. Contudo, não se considera razoável negar a utilização de um documento exarado por um Poder de Estado como meio indiciário do tempo de serviço em ação previdenciária.

Tal documento, se fundado em acordo homologado, não produzirá efeitos automáticos na Justiça Federal, cujo magistrado poderá corroborar o conteúdo do documento por meio de testemunhas. Assim também deve ocorrer nas hipóteses em que a sentença trabalhista se fundou em confissão ficta ou real do reclamado. Já nas situações em que o contraditório se faz presente e mais provas são produzidas, culminando em sentença de mérito, o estudo defende a aplicação de efeitos automáticos da sentença trabalhista no âmbito previdenciário.


Eduardo Antônio Dias Cristino
Mestrando em Direito do Trabalho e Previdenciário (UERJ). Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário (PUC-MG) e advogado.

Marcelo Leonardo Tavares
Professor Associado da Faculdade de Direito da UERJ. Doutor em Direito Público pela UERJ/Paris II. Juiz Federal


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