Passamos, num breve período, de uma aparente nova onda anti-corrupção, motivada pelos desdobramentos da Lava-Jato, para um ambiente pandêmico repleto de denúncias de irregularidades.
Relatório recente da Transparência Internacional apresentou retrocessos recentes na luta anticorrupção do país, denunciando o aparelhamento e perda de autonomia dos principais órgãos de combate à corrupção.
Não houve adoção de mecanismos inovadores e/ou relevantes para o aprimoramento da probidade administrativa e o Índice de Percepção da Corrupção no Brasil permanece num patamar muito ruim, abaixo da média dos BRICS (39), da média regional para a América Latina e o Caribe (41) e mundial (43) e ainda mais distante da média dos países do G20 (54) e da OCDE (64).
Parece, assim, que o combate à corrupção no Brasil é uma luta inglória. Esta é a análise de Cristiano Pimentel, procurador do Ministério Público de Contas de Pernambuco e ganhador do Prêmio República pela sua atuação na investigação sobre a aquisição irregular de respiradores pela Prefeitura de Recife, e recebido pelo Interfases-Entrevista para discutir algumas questões relativas ao combate à corrupção no Brasil.
Embora, para Pimentel, a impunidade no Brasil seja sistêmica e institucionalizada, a adoção de uma agenda anticorrupção é possível mediante a adoção de aprimoramentos pontuais e precisos. Hoje, publicamos a segunda e última parte desta Entrevista! Registramos nossos agradecimentos ao Dr. Cristiano Pimentel e aos leitores que nos acompanharam nesta série!
Interfases: os corruptores brasileiros têm um perfil? E os corrompidos?
Pimentel: o perfil das duas categorias infelizmente é o do brasileiro. Serão necessárias décadas para termos um patamar civilizado de corrupção, se tivermos sorte. Já vi muitos casos de “ativistas” esbravejarem contra a corrupção e, depois de conseguirem um lugar no sistema que criticavam, virarem corruptores.
Interfases: qual é a relevância de instrumentos internacionais para o combate à corrupção no Brasil?
Pimentel: atualmente, servem como um parâmetro para evitar retrocessos na legislação interna brasileira. As visitas de organizações internacionais, como OCDE, têm sido um fator importante para barrar aventuras legislativas a favor da corrupção.
Interfases: quais mudanças, no nível institucional, são relevantes para aprimorar a atuação das agências anticorrupção no Brasil?
Pimentel: a constitucionalização da lista tríplice para Procurador Geral da República, uma nova forma de indicação de Ministros do STF, e, principalmente, tornar os Tribunais de Contas compostos apenas por servidores técnicos, que tenham ingressado por concurso. Mas faço a ressalva de que concurso não é garantia contra a corrupção. É apenas o jeito certo de compor órgãos técnicos.
Interfases: os inúmeros casos de licitações fraudadas indicavam que a Lei n. 8.666/93 precisava ser substituída. No seu entender, é ingênuo pensar que a publicação de uma nova lei de licitações reduzirá as possibilidades de fraudes? Instrumentos normativos são suficientes, autonomamente, para melhorar o quadro atual de repressão à corrupção?
Pimentel: no Brasil, infelizmente, a fraude sempre foi muito criativa. No entanto, um bom instrumento normativo, colocado no ponto de fluxo certo, pode fazer grande diferença. Por exemplo, uma lei que dissesse que, nas inexigibilidades e dispensas de licitação, o parecer jurídico prévio tenha que ser obrigatoriamente assinado por um procurador concursado do órgão, e não apenas por um agente público comissionado. Um único artigo que faria milagres em prefeituras. Mas a nova lei de licitações com certeza não será suficiente. São necessários controle interno, externo e social.
Interfases: em sua leitura, desde o advento da Lei de Licitações (Lei n. 8.666/93), os grandes protagonistas da corrupção no Brasil foram agentes públicos ou privados?
Pimentel: os agentes públicos e privados sempre se consorciaram no Brasil. As capitanias hereditárias eram uma associação entre o rei e empreendedores privados. Hoje, em alguns casos, o empresário procura o gestor; em outros, o gestor monta as empresas através de laranjas.
Interfases: medidas de privatização e/ou de delegação tendem a gerar um ambiente menos tendente à corrupção?
Pimentel: quando a empresa é exclusivamente privada, a corrupção interna passa a ser uma preocupação dos seus sócios ou acionistas. Um valor que nunca mudou é que o proprietário particular quer defender sua propriedade privada.
Interfases: qual o papel da sociedade civil brasileira na fiscalização das instituições?
Pimentel: o principal problema que vejo atualmente é a péssima qualidade do voto para a formação dos legislativos nas três esferas. Isso resulta em uma produção legislativa ruim ou deliberadamente voltada para favorecer a corrupção. Então o grande papel, neste momento, seria votar melhor para o Legislativo.

Cristiano Pimentel
Cristiano da Paixão Pimentel é Procurador do Ministério Público de Contas de Pernambuco e Professor de Direito Administrativo e Controle Externo (TCE PE).
Imagem de destaque: Hrayr Movsisyan por Pixabay