Por Equipe Editorial
Embed from Getty ImagesFaleceu na última sexta-feira, aos 87 anos, a Justice da Suprema Corte americana (SCOTUS), Ruth Bader Ginsburg (RGB). Reconhecida por suas decisões que reforçaram os ideais de igualdade e de justiça, Ginsburg é uma referência jurídica imune a barreiras nacionais e ideológicas. RGB participou de julgamentos relevantes na Suprema Corte, tendo proferido decisões que garantiram avanços em direitos fundamentais e proteção a minorias.
Sua trajetória, coincidente com o fortalecimento do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos, deixa um legado para teorias jurídicas progressistas na medida em que contribui para a construção do corpo jurídico dos avanços feministas nas últimas três décadas, defendendo a compreensão de que a Constituição deve garantir a igualdade de gênero e o tratamento igualitário de minorias.
“Uma parte importante da história da nossa Constituição é a história da extensão dos direitos e proteções constitucionais a pessoas antes ignoradas ou excluídas”, afirmou a Justice no precedente United States v. Virginia (1996), que bem resume sua atuação ao longo de 27 anos na SCOTUS e de 40 anos na magistratura.
Em 2015, a revista Time a incluiu na lista de 100 pessoas mais influentes, sobre o que o notável Justice Antonin Scalia observou: “Ginsburg teve duas carreiras jurídicas distintas, e qualquer uma delas lhe daria o direito a ser uma das 100 da Time”.
Em sua juventude, Ginsburg foi uma dentre as primeiras nove mulheres a serem aceitas no curso de Direito de Harvard. Mas não apenas isso. No último ano de seu bacharelado, por razões familiares, decidiu encerrar seus estudos na Universidade de Columbia, tendo sido a primeira estudante, dentre homens e mulheres, a ser considerada a melhor aluna da classe em duas das maiores instituições acadêmicas dos Estados Unidos.
Ainda assim, em 1960, o ex-Justice Felix Frankfurter se recusou a admiti-la, na qualidade de clerk, por ser mulher. Na seara privada, Ginsburg ouviu a recusa dos maiores escritórios de advocacia. Em 1963, é contratada como professora da Rutgers Law School, entretanto, com salário inferior aos docentes homens que desempenhavam as mesmas funções. A justificativa da instituição de ensino era de que Ginsburg tinha um marido com um emprego bem remunerado. À época, o número de docentes do gênero feminino em Faculdades de Direito nos Estados Unidos era inferior a vinte.
É a trágica vivência do sexismo que a leva ao contato próximo com a American Civil Liberties Union (ACLU), organização que a permitiria ganhar notoriedade na defesa intransigente do fim da discriminação de gênero. Na década de 1970, quando os tribunais eram formados exclusivamente por homens, Ginsburg atuou numa série de processos desafiadores aos precedentes que pautavam a desigualdade de gênero.
Moritz v. Commissioner (1972) foi seu primeiro caso notável enquanto advogada, conferindo-lhe visibilidade política e jurídica. A controvérsia solucionada pelo Tribunal de Apelações do Décimo Circuito pautava-se na suposta violação à Cláusula de Proteção Igualitária da Constituição norte americana pela norma que restringia a dedução de impostos para curadores a “mulheres, viúvos e homens divorciados ou cujas mulheres estão incapacitadas ou internadas”. A repercussão política do caso envolvia possíveis questionamentos posteriores a outras leis discriminatórias em relação às mulheres.
Atuou também em casos paradigmáticos perante a Suprema Corte, como Reed v. Reed (1971), que declarou inconstitucional lei estadual que conferia preferência pela nomeação de homens na administração do espólio. Com relação a esse tipo de discriminação, importante destacar ainda sua participação nos casos Frontiero v. Richardson (1973); Weinberger v. Wisenfeld (1975); Califano v. Goldfarb (1977); Craig v. Boren (1976) e Duren v. Missouri (1979).
Em Duren v. Missouri, que questionava disposição relativa à voluntariedade, para mulheres, de participação no júri, Ginsburg atuou pela última vez na condição de advogada perante a Suprema Corte. No ano seguinte, em 1980, foi nomeada pelo Presidente Jimmy Carter para o cargo de juíza federal da Corte de Apelação do Distrito de Columbia. Em 1983, foi indicada, pelo Presidente Bill Clinton, para Suprema Corte, tendo sido a segunda mulher da história a ser nomeada para o Tribunal. Durante a sua sabatina senatorial, a então candidata não encobriu o seu incondicional apoio aos direitos das mulheres, inclusive o direito ao aborto. Ainda assim, foi confirmada por ampla maioria (96 a 3).
Enquanto juíza associada da Suprema Corte dos Estados Unidos, assumiu postura divergente em casos impactantes. Dentre eles, United States v. Virginia (1996), no qual proferiu relevante voto para a maioria argumentando que o Instituto Militar da Virgínia havia falhado em demonstrar “justificativa extremamente persuasiva” para sua política de admissão baseada no sexo. No caso, a Corte decidiu que a exclusão das mulheres pela Comunidade da Virgínia do Instituto Militar da Virgínia violava a Cláusula de Proteção Igualitária da Décima Quarta Emenda.
De algum modo, a jornada profissional de Ginsburg retrata os avanços sociais que ocorreram nas décadas que se seguiram.
A menos de dois meses das eleições presidenciais, a morte de Ginsburg, porém, pode reservar um impasse, tendo em vista que republicanos, de um lado, tentarão emplacar a nomeação do indicado presidencial e democratas, por outro lado, procurarão travar a nomeação do candidato de Trump. Isso porque a nomeação de um novo justice por parte do Presidente certamente implicará uma das maiores mudanças no balanço de poder daquela Corte.
Não podemos esquecer que, após a morte do Justice Antonin Scalia, em 2016, o Senado, de maioria republicana, se recusou a sabatinar o indicado do então Presidente democrata, Barack Obama. Em razão da proximidade das eleições presidenciais, argumentou-se à época que a cadeira deveria permanecer vaga até que o povo americano decidisse quem deveria indicar o substituto de Scalia. Republicanos deram a entender que, em ano de eleições presidenciais, não deveria ocorrer indicação presidencial à Suprema Corte. Na ocasião, Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado, declarou: “tudo o que estamos fazendo é seguir uma longa tradição de não realizar nomeações no meio do ano presidencial”.
Todavia, como a política é o campo da incerteza, parece que a regra de 2016 não será aplicada em 2020. Tudo leva a crer que o povo americano não escolherá, por meio das próximas eleições presidenciais, quem deverá indicar o próximo justice. Mitch McConnell – que liderou o bloqueio republicano à nomeação de Merrick Garland, em 2016 – já anunciou que a vaga deixada por Ginsburg será ocupada ainda neste ano e, nesse sentido, afirmou que “desde 1880, nenhuma indicação do Presidente, cujo partido era de oposição à maioria senatorial, foi confirmada pela Casa Alta durante o ano presidencial”.
Caso a indicação de Trump se confirme, a SCOTUS atingirá uma supermaioria (6 a 3) conservadora, o que não necessariamente implicará decisões conservadoras. Como sabemos, a falácia da composição também se aplica a órgãos colegiados. A ver.

Antonio Guimarães Sepúlveda
Doutor em Direito (UERJ)

Beatriz Scamilla
Bacharel em Direito (UFRJ)

Igor De Lazari
Mestre em Direito (FND/UFRJ)

Jean Pontes
Mestre em Direito (UERJ)
Imagem de destaque: Gayatri Malhotra, Unsplash
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