O direito à educação e o amor na jurisprudência da Corte Constitucional colombiana

Por Vanessa Monterroza Baleta

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O direito à educação é reconhecido na maioria das Constituições nacionais e em diferentes instrumentos internacionais, e.g. na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e no Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Protocolo de San Salvador.

No caso colombiano, se, por um lado, a Constituição Política estabelece no artigo 67 que a educação é um direito subjetivo e um serviço público revestido de relevante função social, por outro, a Corte Constitucional detém papel fundamental de garantidor, ao (i) determinar o conteúdo da proteção (o que deve ser compreendido por direito à educação); e ao (ii) definir efetivos instrumentos de proteção ou garantias.

Conteúdo da proteção

Em termos substanciais, o direito à educação não é compreendido pela Corte Constitucional colombiana somente como direito de ingresso na rede de ensino. A partir de um processo de interpretação e integração dos dispositivos normativos, e no intuito de concretizar efetivamente tal direito, a Corte, pautada no Comentário Geral no. 13 do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, tem substantivado o direito à educação a partir de quatro notas essenciais, inter-relacionadas e descritas no citado Comentário Geral. São elas: a disponibilidade, a acessibilidade, a aceitabilidade e a adaptabilidade.

A disponibilidade sugere a necessidade de instituições educativas quantitativamente suficientes e qualitativamente adequadas. A acessibilidade predica que as instituições e os programas educativos devem ser alcançáveis por todos, vis-à-vis uma tríplice dimensão: ausência de critérios ou ações discriminatórios, acessibilidade física e acessibilidade econômica. Por sua vez, a aceitabilidade determina que os programas e materiais de ensino sejam admissíveis, i.e. relevantes, culturalmente adequados e de boa qualidade. E, finalmente, a adaptabilidade recomenda que a educação deve se conformar às necessidades das sociedades e comunidades em constante transformação.

De acordo com a Corte Constitucional colombiana (Sentenças T-1259 de 2008, T-348 de 2016, T-209 de 2019, T-273 de 2014, T-467 de 1994, T-305 de 2008), o direito à educação é satisfeito efetivamente sempre que referidas características estipuladas no Comentário Geral no. 13 sejam garantidas pelo Estado. Assim, a Corte tem considerado casuisticamente uma ampla diversidade de fatores – tais como transporte, alimentação, designação de professores e adequação das instalações escolares – para a garantia efetiva do direito à educação.

Instrumentos de proteção ou garantia

Em relação aos instrumentos de garantia, o direito à educação tem sido protegido pela Corte Constitucional colombiana de maneira direta e indireta. A proteção direta tem lugar principalmente na afirmação do direito à educação nos níveis básicos (cf. inter alia a sentença C-376 de 2010). Por outro lado, a proteção indireta se apresenta a partir da proteção de outros direitos conexos e cuja tutela gera como consequência a proteção do direito à educação. A proteção indireta se dá, assim, na tutela do direito à igualdade (sentença T-774 de 2013), do livre desenvolvimento da personalidade (sentenças T-420 de 1992, T-524 de 1992 e T-065 de 1993), do devido processo (sentenças T-361 de 2003, T929 de 2011 e T-380 de 2003) e do direito à liberdade de culto (sentenças T-832 de 2011 e T-345 de 2002).

A título de exemplo, destaque-se a sentença T-085 de 2020, referente à proteção indireta do direito à educação a partir da garantia ao livre desenvolvimento da personalidade. A demanda judicial se originou de uma acción de tutela (ação constitucional prevista no artigo 86 da Constituição Política da Colômbia e destinada a proteger direitos individuais vulnerados pela ação ou omissão de qualquer autoridade pública), ajuizada a fim de sanar violação ao direito de livre desenvolvimento da personalidade de uma estudante. In casu, a solicitação de matrícula no último ano do ensino médio foi rejeitada, segundo apuraram os juízes da Corte, em razão do estado de gravidez da aluna e em decorrência da proibição, conforme previa o Manual de Convivência da instituição educativa, de manifestações de afeto (e.g. abraços, beijos e carícias) e da “manutenção de um namoro” nas dependências escolares.

A Corte Constitucional afirmou em sua decisão que, de acordo com sua jurisprudência reiterada, a denegação da matrícula a uma mulher grávida viola seu direito fundamental à educação, de modo que a gravidez de uma aluna não pode ser uma razão para limitar ou restringir seu direito de ingressar ou de permanecer no sistema educativo. Do mesmo modo, uma restrição baseada no estado de gestação ignora o direito à igualdade da mulher e inferioriza as alunas grávidas. Por isso, para o Tribunal, referidas restrições seriam discriminatórias.

Por outro lado, afirmou que, embora as instituições educativas possam estabelecer suas respectivas normas de conduta (manuais de convivência) direcionadas a manter a disciplina necessária ao desenvolvimento do processo educativo e o respeito às relações entre alunos, docentes e diretores, tais regras não podem afetar de maneira irrazoável ou desproporcional direitos relativos ao livre desenvolvimento da personalidade ou à intimidade dos alunos. Tais normas devem ser limitadas, ainda, pelas disposições da Constituição Política. Ao reconhecer a afronta ao direito de livre desenvolvimento da personalidade pela intromissão indevida no direito à maternidade da aluna e no seu direito de manter relações afetivas em público, declarou indiretamente que ocorreu uma violação ao direito à educação. Assim, para os magistrados da Corte, o manual de convivência ignorou a busca da felicidade e a necessidade de afeto e companhia, próprias de seres humanos naturalmente sociáveis.

A proteção do direito à educação e o amor a partir do direito ao livre desenvolvimento da personalidade

As considerações prévias permitem afirmar que a Corte Constitucional da Colômbia, com base no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, protege as relações e as manifestações afetivas no âmbito educativo, indicando que, nesses casos, além de uma vulneração ao livre desenvolvimento da personalidade, direito diretamente afetado, também se apresenta uma vulneração do direito à educação. É importante advertir que a Corte, na oportunidade, ressalvou que as manifestações amorosas de namorados não podem afetar direitos de terceiros ou a ordem jurídica. Em razão disso, a Corte ordenou que a instituição educativa modificasse o Manual de Convivência de modo a considerar as circunstâncias de tempo, modo e lugar nos quais uma manifestação de apreço ou carinho representaria um prejuízo ao processo educativo.

Denota-se, assim, a partir da análise da sentença T-085 de 2020, que, para a Corte Constitucional da Colômbia, a relação entre o direito à educação e o amor é, literalmente, íntima. Estudantes possuem direito, como manifestação do livre desenvolvimento da personalidade, a manter relações e exteriorizar demonstrações amorosas e afetivas no ambiente escolar, sempre que tais manifestações integrem seu foro privado e não afetem a ordem pública e direitos de terceiros. Dessa maneira, os manuais de convivência e os códigos de conduta não podem incluir uma proibição irrestrita a relações e manifestações amorosas no âmbito educativo. Em outras palavras, não podem proibir o amor.


Vanessa Monterroza Baleta
Mestre em Direito pela Universidad Externado (Colômbia). Mestre em Direitos Humanos e Governança e Doutoranda em Direito, Governo e Políticas Públicas pela Universidad Autónoma de Madrid (Espanha)


Imagem de destaque: Freepik

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