Democracia e liberdade de expressão

Por Ives Gandra da Silva Martins

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Carlos Alberto Di Franco, em seu artigo para o Estado de São Paulo de 13/07/2020 – Página 2, alertou para o fato de que o Congresso Nacional e a Suprema Corte estarem enveredando por caminho em que a liberdade de expressão, em um regime democrático, correria o risco de cerceamento.

Kant, ao examinar os princípios que fundamentaram a Revolução Francesa, concluiu que eram muito superiores a seus líderes, que, ao tentarem implantar a liberdade, igualdade e fraternidade, geraram o maior banho de sangue da história interna daquele país.

Com efeito, principalmente Robespierre, que governou um período denominado de “A Era do Terror” (1792-94), ao substituir Deus pela deusa “Razão”, tornou os tribunais populares, que condenavam à guilhotina quaisquer cidadãos por mera suspeita, a força suprema para separar os amigos do regime dos pretensos adversários.

A revolução francesa foi enterrada com a morte de Robespierre, vítima de seu próprio remédio político, seus ideais, porém, permaneceram influenciando até hoje os alicerces de qualquer regime democrático. Este se caracteriza pela convivência das opiniões divergentes e pela representação popular ser exercida por legisladores e  administradores sendo eleitos  livremente.

Na tripartição de poderes, pretendida por Montesquieu em 1748,  época em que foi criticado sob a alegação de que poder dividido não é poder, respondeu que é necessário que o poder controle o poder,  pois o homem no poder não é confiável.

Dos três Poderes, o mais representativo é o Poder Legislativo, pois nele todo o povo está representado (situação e oposição), vindo a seguir o Executivo em que a maioria apenas o elege e, às vezes, nem a maioria quando há segundo turno nas eleições.

Por fim, o Poder Judiciário não representa diretamente o povo, mas como a maioria dos servidores, seus juízes são aprovados por concursos e, em alguns países, os magistrados da Suprema Corte são escolhidos pessoalmente pelo primeiro mandatário.

A Constituição Brasileira determinou que o Estado Democrático Brasileiro (artigo 1º) teria três Poderes harmônicos e Independentes (artigo 2º) com atribuições bem definidas na Lei Suprema. O Legislativo tem-nas nos artigos 44 a 69, devendo zelar pela sua competência normativa perante os outros poderes (Artigo 49 inciso XI). O Executivo tem suas atribuições privativas no artigo 84, não podendo ser retiradas por legislação infraconstitucional ou decisões judiciais. E o Judiciário não pode invadir competências legislativas ou executivas, nem mesmo quando decide, em ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, e percebe a existência de omissões inconstitucionais nesses poderes, devendo apenas notificá-los para que corrigir a omissão (artigo 103 parágrafo 2º).

Os freios e contrapesos estão na Lei Maior para que os poderes sejam harmônicos e independentes, assim como a liberdade de expressão seja assegurada nos direitos e garantias individuais próprios da democracia brasileira (Artigo 5º a 17 da CF).

Tendo acompanhado os debates constituintes, sido convidado pelos parlamentares para participar de audiências públicas e comentado a Constituição Brasileira com saudoso Professor Celso de Ribeiro Bastos, em 15 volumes, pergunto-me se vivemos uma plena democracia e se a liberdade de expressão é assegurada aos politicamente corretos e aos incorretos? Árbitros de futebol são criticados por torcidas inteiras com palavras de baixo calão, em público, e autoridades não podem ser em reuniões privadas. Pessoas são acusadas pelos magistrados que as julgarão. O desrespeito à religião se faz na figura do Deus dos cristãos — não tem seus autores coragem de atacar a Alá ou Maomé — e tal afronta a seus valores é tida por liberdade de expressão pelos Tribunais, mas esta não existe se os afrontados são os componentes destes Tribunais. Inocentes são presos em execução de sentença, sem trânsito em julgado de decisões, apesar de não poderem ser considerados culpados.

À evidência, entendo que as ações de difamação caluniosa e de indenização por danos morais devem ser propostas sempre que as ofensas sejam feitas, mas as capturas de computadores, celulares, batidas em residências, assim como prisões provisórias, sem julgamento e sem defesa prévia, parece-me que é um caminho perigoso que pode levar a termos o domínio do Judiciário sobre os outros poderes com cerceamento do principal direito da Democracia, que é o de defesa, e o do povo, que é a liberdade de expressão.

Creio que chegou o momento de os Poderes dialogarem uns com os outros e unirem-se no combate ao inimigo invisível, que está arruinando o país e que precisa de todas as forças de seus cidadãos para sair da crise. Como são bons os componentes dos 3 Poderes, que dialoguem a bem do país.


Ives Gandra da Silva Martins
Professor Emérito (Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, CIEE, ECEME, ESG e ESMAF), Doutor Honoris Causa (Craiova, PUCPR, PUCRS) e Professor Catedrático da Universidade do Minho (Portugal)


Imagem de destaque: João Galhanas, Pixabay

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