Por Sergio Dias
Embed from Getty ImagesA decisão de iniciar uma demanda judicial envolve a avaliação de custos e benefícios, a apreciação de probabilidades e a estimativa de ganho associado ao processo. O resultado dessa análise é conectado a uma expectativa de ganho, como se dá para premissas econômicas da decisão racional. Se a expectativa de ganho for muito baixa ou negativa (e.g. pela baixa probabilidade de vitória), o ajuizamento de uma demanda deixa de ser interessante, em especial para o advogado, que perderia tempo e energia.
Por outro lado, se a expectativa de ganho for relevante (o que pode acontecer tanto pelo custo baixo como pela alta possibilidade de ganho), haverá inclinação a ajuizar o processo.
No cenário brasileiro, há mais um fator que influencia o processo decisório de litigar ou não, mas que só diz respeito ao advogado: os honorários de sucumbência.
Os honorários de sucumbência funcionam como estímulo intra (defesa da causa) e extraprocessual (ajuizamento da demanda), já que resoluções de conflitos pela via extrajudicial não contemplam tal ganho. Como se sabe, além dos honorários contratuais que recebe de seu cliente, o advogado quando vence a causa, em juízo, recebe normalmente os honorários de sucumbência – salvo nos procedimentos nos quais não haja previsão legal de condenação ao pagamento de honorários.
Entre iniciar um processo judicial ou resolver a disputa extrajudicialmente, a expectativa de ganho na via judicial será, sob perspectiva advocatícia, normalmente mais alta por razão, predominantemente, dos honorários de sucumbência.Há outros fatores que podem ser considerados (como e.g. o custo temporal do processo judicial ou a jurisprudência administrativa num ou noutro sentido) na avaliação decisória, mas isso não enfraquece o argumento de que honorários sucumbenciais são devidos apenas na via judicial.
Uma maneira de reduzir o estímulo à judicialização gerado pela sucumbência, em detrimento de outros meios de resolução de conflito, é dar mais atenção à causalidade na distribuição dos honorários sucumbenciais, de maneira a expandir sua importância como instrumento de dissuasão à litigância.
São dois os vetores que orientam a obrigação de pagar honorários advocatícios em processos judiciais: sucumbência e causalidade. Não basta que a parte seja vencida (sucumbência); é preciso, segundo assente orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), verificar quem deu causa à disputa judicial (causalidade). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já enfrentou o assunto em recurso repetitivo.
Por isso, nem sempre o vencedor da ação judicial terá direito aos honorários sucumbenciais.
Mas isso nos conduz à seguinte indagação: quando uma ação judicial é deflagrada, sem que autor e réu (partes) tenham previamente debatido a matéria controvertida em sua inteireza, embora tivessem tido a oportunidade de fazê-lo, qual seria a solução no tocante à causalidade? De maneira mais pontual, quando a parte poderia ter resolvido a questão administrativamente e opta por recorrer diretamente ao Judiciário, quem deverá realizar o pagamento dos honorários?
A título de ilustração, considere a seguinte situação: contribuinte do imposto sobre a renda é intimado, mediante auto de infração expedido pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (órgão público da União), a pagar o tributo lançado, parcelar ou apresentar impugnação administrativa em razão de glosa de determinadas deduções informadas em declaração de rendimentos. Abre-se prazo para manifestação da defesa, contudo o contribuinte se mantém silente. Configurada a revelia no âmbito do processo administrativo fiscal, a Administração Tributária realiza a cobrança administrativa. Próximo do vencimento, o sujeito passivo ajuíza demanda judicial, instruída com documentos nunca apresentados ao Fisco Federal. Por meio de farta documentação acostada à demanda judicial, comprova a realização de todas as despesas, além de esclarecer algumas inconsistências informacionais.
Diante do cenário descrito, a mesma questão se coloca: embora tenha solicitado documentos e informações, abrindo prazo para a defesa do contribuinte se pronunciar, de modo antecipado ao processo judicial, pode-se dizer que a União deu causa à demanda?
Parece duvidoso, porque há a possibilidade de o réu simplesmente argumentar que desconhecia a alegação do demandante e que por isso resistiu ao pedido antes da etapa judicial. No exemplo cogitado, o Fisco cobrou o tributo, porque o contribuinte não apresentou sua defesa administrativa. A situação aqui ilustrada não é incomum.
Reconhecer, em tais situações, a causalidade em desfavor do réu é um verdadeiro incentivo à judicialização precoce. Isso porque, como prega o professor Steve Shavell, o litígio será útil desde que sua dissuasão e o valor compensatório superem os custos legais totais e os gastos da administração pública.
Como advogados poderão optar pela via judicial em detrimento do processo administrativo, tendo em vista o ganho decorrente dos honorários sucumbenciais, a tendência é que os custos legais e administrativos aumentem significativamente. Como se sabe, terceiros não diretamente envolvidos no conflito conhecerão o teor da decisão que concedeu os honorários sucumbenciais e ajustarão suas condutas em conformidade com seus interesses particulares (externalidade negativa).
Esse indesejável incentivo induz soluções de conflitos mais onerosos para os litigantes. Já se disse que o judiciário é um recurso rival, quanto é mais usado, mais difícil que outros usem. No entanto, quando um litigante individual decide levar seu caso aos tribunais, ele leva em consideração apenas seus custos e benefícios privados. Numa situação de sobrecarga do Judiciário, com utilização rivalizada por todos os litigantes, é de muita relevância não abrir canais de estímulo às demandas evitáveis. A sucumbência, isoladamente, estimula o litígio. A atenção à causalidade nessas situações é de muita relevância a fim de não criar propensão à demanda e ônus desarrazoados aos litigantes.
O Supremo Tribunal Federal já tangenciou o tema quando definiu a necessidade de prévio requerimento administrativo para justificar o interesse processual em demandas que postulam benefícios previdenciários, como maneira de conter demandas potencialmente desnecessárias.
Esse entendimento foi posteriormente expandido no STJ em matéria fiscal, havendo o Tribunal afirmado que o pedido, nesses casos, carece do elemento configurador de resistência pela Administração Tributária à pretensão, já que não há conflito e não há lide. Essa compreensão é importantíssima, pois desincentiva a opção direta e imediata da via Judicial, já que, mesmo que esta seja atraente por viabilizar honorários de sucumbência, o litígio só poderá ser admitido se houver, antes, o requerimento extrajudicial dirigido à Administração.
Porém, a discussão ora provocada indica que exigir prévio requerimento administrativo não encerra as possibilidades para a redução de demandas judiciais evitáveis. É importante considerar o contencioso administrativo e outros mecanismos de resolução de disputas, em especial em matéria fiscal e no direito sancionador, casos em que a Administração é obrigada a respeitar o devido processo legal, provocando a apresentação de defesa. Quando a etapa administrativa é ignorada, porque se escolhe, diretamente, a via judicial, parece acertado utilizar a causalidade para propósitos de desestimular litígios desnecessários, em especial se o demandado não se opõe substancialmente ao pedido, sinalizando que as razões poderiam ter sido acolhidas se lhe fossem apresentadas previamente.

Sergio Dias
Doutorando em Direito (UFRJ). Juiz Federal.
Imagem de destaque: STF