Por Antonio Sepulveda & Igor De Lazari
Embed from Getty ImagesEm março deste ano o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a ação pendente mais antiga de seu acervo: a Ação Cível Originária nº 158 (ACO 158). Esta ação, na qual a União e o Estado de São Paulo discutiam o domínio de área situada no município de Iperó (SP), é de 1968 – mais de 50 anos atrás.
Embora a média entre o tempo de tramitação e o tempo dos processos baixados no STF seja, atualmente, inferior a 1 ano, 12% do acervo ingressou no Tribunal há mais de 5 anos. Incluem-se (ou se incluíam), neste último grupo, 10 processos protocolados no Tribunal antes de 1988 – o mais antigo deles, a ACO de 1968.
Inúmeras razões podem justificar a demora do julgamento no âmbito do STF (e nos Tribunais de maneira ampla): pedidos de vista, incidentes processuais, recursos. Nestes 10 (dez) processos, porém, mapeados pelo Jota, uma razão determinante (se não a mais relevante) para a demora de julgamento é a sucessiva substituição de relatores.
Em média, nos processos mencionados, o prazo decorrido a partir do último pronunciamento do relator anterior até o primeiro pronunciamento do novo relator é de 6 (seis) anos. Estes períodos de “paralisia” provocados pela substituição de relator, somados, são indicados abaixo:

Elaborado pelos autores, a partir de dados disponibilizados no sistema de acompanhamento processual do STF
Esta demora provocada pela substituição dos relatores não é uma particularidade destes 10 processos, mas um oxímoro do STF: a substituição, que deveria solucionar a paralisia provisória do Tribunal, é, predominantemente, o andamento mais moroso de nosso Supremo.
Este dado é revelado no artigo O Meu ou o Seu? A Ordem Cronológica de Julgamentos do Novo CPC e Evidências Empíricas sobre a Substituição do Relator no STF, produzido no âmbito do projeto Supremo em Números da Fundação Getúlio Vargas.
Este artigo aponta que, no período de 2011 a 2013, a fase processual com maior duração média em dias é a substituição do relator. Neste período, que inclui a íntegra do acervo do Tribunal, as substituições possuíram um prazo médio de mais de 200 dias. E o prazo é ainda maior se analisadas apenas as ações de controle concentrado:

Essas substituições decorreram, de regra, de aposentadoria, renúncia ou morte, segundo disposto no art. 38 do Regimento Interno do STF.
Portanto, a demora poderia se justificar por razões de ordem prática: ambientação do novo Ministro ao acervo herdado ou o prazo necessário à nomeação do substituto, e não por razão da preterição, pelos novos Ministros, de processos que não são originariamente “seus”. Ilustrativamente, Dilma Rousseff demorou quase 1 (um) ano para indicar o substituto de Joaquim Barbosa (o Ministro Edson Fachin).
Todavia, um outro relatório produzido pela FGV (III Relatório Supremo em Números: O Supremo e o Tempo) parece revelar precisamente o oposto: que Ministros preferem, sim, processos que não hajam sido recebidos de outro relator. Este Relatório aponta que 20 dos 27 Ministros que passaram pelo Tribunal desde 1988 (até 2013) demoram/demoravam mais para julgar o mérito dos processos cuja liminar foi dada por outro colega (precisamente 62%, na média).

Esses prazos de julgamento podem parecer aterradores quando analisados os relatórios de desempenho de Tribunais Supremos de outros países. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte (SCOTUS), ao admitir um processo para julgamento, normalmente profere uma decisão no prazo de 3 (três) meses após as sustentações orais (oral argument) e, segundo pesquisas de Lee Epstein, William Landes e Richard Posner, 99% decisões são proferidas no mesmo Termo judiciário das arguições.
Esta comparação não é propriamente perfeita: a SCOTUS possui atribuições recursais mais restritas e decide aproximadamente 100 casos por ano; o STF, por outro lado, profere dezenas de milhares de decisões, sendo, segundo suas próprias palavras, a “a Corte constitucional que mais julga no mundo”. Reduzir os prazos de julgamento demanda, invariavelmente, mudanças legislativas e estruturais (algumas delas defendidas recentemente pelo Ministro Roberto Barroso). Todavia, a sobrecarga de processos não é a única razão para atrasos e para processos intergeracionais – e os dados relativos às substituições de relatores revelam isso.

Antonio Guimarães Sepúlveda
Doutor em Direito (UERJ)

Igor De Lazari
Mestre em Direito (FND/UFRJ)
Imagem de apresentação: STF