Por Antonio Sepulveda & Igor De Lazari
Embed from Getty ImagesBons regulamentos e instituições independentes são indispensáveis para assegurar a adequada performance de Economias e dos serviços públicos. Todavia, Presidentes ocasionalmente defendem a limitação ou a diminuição do Estado afirmando inter alia que as regulações podem provocar negativas e imprevisíveis repercussões, além de se tornarem, ao longo dos anos, onerosas e ineficientes.
Tanto o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, quanto o Presidente americano, Donald Trump, prometeram reduzir a intervenção do Estado sobre os negócios por meio da restrição ou da simplificação regulatória. Tal similaridade se repete no gerenciamento da política administrativa de agências. Trump e Bolsonaro aparentemente priorizaram a desregulação, mas as medidas de desregulação adotadas reduziram o poder e a autonomia das agências.
Trump adotou uma série de medidas desfavoráveis às agências e a suas regulações, ilustradas abaixo:
- análise do jornal The New York Times avaliou que mais de 80 regulações ambientais serão revogadas na administração Trump;
- Trump publicou uma Executive Order (E. O. 13771) dispondo que as agências deveriam identificar ao menos duas regulações a serem revogadas para nova regulação publicada. Dispôs ainda que o custo das regulações planejadas deveria ser prudentemente gerenciado e controlado por meio de um processo orçamentário;
- até outubro de 2018, agências adotaram pelo menos 243 ações desregulatórias;
- no ano 2017, o Diretor do Office of Information and Regulatory Affairs (OIRA) submeteu aos Diretores de agências instruções para promoverem uma redução líquida do total dos custos regulatórios incrementais. Foi dito pelo Diretor da OIRA que é política dos Estados Unidos aliviar o povo americano de custos regulatórios desnecessários;
- no ano passado, o Office of Management and Budget (OMB) publicou memorandum impondo supervisão adicional sobre as principais (major) novas políticas e regulações das agências; se a OIRA reputar que uma regulação é “principal”, segundo determinados parâmetros, a agência deve submetê-la previamente ao Congresso para revisão;
- uma Executive Order (E. O. 13875) publicada por Trump no ano passado determinou que as agências extinguissem, até 30 de setembro de 2019, pelo menos 1/3 de suas comissões;
- análise do Center for Economic and Policy Research (CEPR) revelou que quase metade dos 179 cargos nos painéis de decisão das 40 agências independentes americanas (83) permanece vaga. Em razão da necessidade de quórum mínimo de decisão, os poderes de algumas agências podem ser afetados;
- a administração Trump anunciou ainda seu plano de reorganização governamental, no qual prevê inter alia remodelação e incorporação de agências.
De maneira similar, Bolsonaro adotou uma série de medidas de reorganização e desburocratização (e.g.., revogação de decretos, redução de departamentos e quantitativo de servidores, redesenho de agências).
Todavia, muitas dessas medidas identicamente afetaram (ou possuem potencial para afetar) o poder das agências:
- no mês de abril de 2019, Bolsonaro publicou um decreto que extinguiu dezenas de colegiados da administração pública federal;
- Bolsonaro declarou seu desejo de suprimir 90% as regulações relativas à segurança e à saúde;
- o Presidente limitou as agências de proteção ambiental ao reduzir seus poderes e representação;
- Bolsonaro vetou dispositivo da Lei 13.848/19 que instituía a sabatina senatorial de diretores de agências indicados pelo Presidente;
- o Governo Federal limitou drasticamente a admissão de novos servidores;
- mediante Decreto, suprimiu milhares de cargos vagos dentro dos quadros de pessoal da administração pública federal;
- apesar de a anunciada intenção do Governo haja sido reduzir a complexidade e os ônus que recaem sobre a população, houve remodelação de algumas políticas para o propósito de atender ao mercado (e.g. Bolsonaro declarou seu desejo de eliminar o sistema E-Social).
- Bolsonaro já declarou publicamente que as agências reguladoras têm autonomia mas não são soberanas e que algumas delas atrapalham um pouco e tem poder de travar ministério; além disso, deixou de nomear inúmeros membros para Diretorias de agências, que acumulam cargos vagos;
- o presidente demitiu e/ou afastou, por diferentes [e questionáveis] razões, Diretores de órgãos, autarquias e agências (Diretor da Polícia Federal, Diretor do INPE, Diretor do Inmetro, Diretor do Ibama, Diretor-Presidente da ANCINE, Diretor do INSS, Presidente do CNPq, Presidente dos Correios), e substituiu 9 ministros (Secretaria de Governo, Secretaria Geral, Desenvolvimento Regional, Previdência e Trabalho, Cidadania, Saúde, Justiça, Educação, Cultura);
Panoramas jurídicos brasileiro e americano são distintos, mas as agendas políticas ditadas por Trump e Bolsonaro determinam amplamente a direção para a qual Estados Unidos e Brasil se dirigem no que se refere à regulação e à influência sobre às agências. Todavia, mudanças radicais de novos presidentes são limitadas por muitos constrangimentos institucionais: presidentes podem muito, mas não tudo. Para Gene Healy, Presidentes não possuem um Cetro Mágico de Autoridade Inato, que os coloque longe do alcance da Lei. No mais, as jurisprudências brasileira e americana possuem doutrinas substantivas que asseguram deferências às agências; sua expertise e suas capacidades institucionais não podem ser simplesmente ignoradas pelo Presidente, e os efeitos sistêmicos ou emergentes da política de desregulação pode suscitar a reação de outras agências, que podem ser sobrecarregadas ou se sentir descapacitadas para preencher o vacuum regulatório.
Trump e Bolsonaro, porém, sofreram derrotas para os Poderes Legislativo e Judiciário, que bloquearam parte de suas medidas. Nos Estados Unidos, o jornal Washington Post publicou que Tribunais Federais decidiram, pelo menos 70 vezes, desfavoravelmente à administração Trump, e houve inúmeras decisões de invalidação de medidas de revogação de regulações publicadas durante a administração do Presidente Barack Obama. Do mesmo modo, no Brasil, Bolsonaro sofreu derrotas no STF (e.g. decisão do STF que manteve a atribuição de demarcação de terras indígenas sob o pálio da FUNAI). Isso sem mencionar as reações negativas da opinião pública e de instituições privadas que levaram a desistências e mudanças de políticas.
Finalmente, a maioria das medidas anteriormente referidas já impactaram os poderes e as políticas das agências. Todavia, as repercussões dessas ações desregulatórias e os reais interesses de Trump e Bolsonaro são ainda incertos, mas a superação de uma política regulatória não se resume a uma decisão isolada e irrevogável do Presidente.

Antonio Guimarães Sepúlveda
Doutor em Direito (UERJ)

Igor De Lazari
Mestre em Direito (FND/UFRJ)
Publicado originariamente no Yale Journal on Regulation; artigo atualizado.
Imagem de apresentação: Presidência da República